Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, Lindolf Bell descobriu na palavra um destino. Filho de Theodor e Amália Bell, lavradores que cultivavam não apenas a terra, mas também a beleza dos versos, recebeu desde cedo a semente da poesia. Sua mãe, em reuniões familiares, costumava declamar poemas, enchendo o ar de ritmo e encantamento — e foi dessa voz materna que o menino herdou o amor pelas palavras.
Bell cresceu acreditando que a poesia não deveria ficar trancada em livros, mas respirar entre as pessoas, nas ruas e nas janelas do cotidiano. Dessa crença nasceu o movimento Catequese Poética, um convite à comunhão entre arte e vida. Pelas praças, viadutos, escolas e universidades, ele recitava e cantava versos, transformando o espaço público em palco e o público em partícipe da criação. Sua presença era uma celebração da palavra viva — e sua ousadia ecoou não apenas no Brasil, mas também além de suas fronteiras.
Ao lado da escultora Elke Hering, sua companheira de vida e de arte, fundou na década de 1970, em Blumenau, a Galeria Açu-Açu, a primeira de Santa Catarina. Ali, poesia e escultura se encontravam, unindo gesto e palavra, matéria e emoção.
Hoje, o nome de Lindolf Bell é o mais lembrado da poesia catarinense. Sua voz continua a atravessar o tempo, lembrando-nos de que a poesia não é apenas escrita — é vivida, dita, partilhada. Em cada recanto onde um verso se abre ao mundo, ainda se ouve o eco de sua catequese poética.
Lindolf Bell
Da palavra final
nada sei. Nunca me foi concedida.
Embora escravo,
embora rei.
Embora levantasse o dedo na hora dos apartes.
Embora levantasse o dedo timidamente do último banco da classe contraditória de viver.
Embora sôfrego, trôpego, embora sofrido levantasse o dedo,
meu Deus, que esquivo andar sem graça
quando atravesso a sala cheia de gente.
A sala de sentimentos ambíguos cheia de gente,
a sala dos correios secretos
que os olhos conhecem, reconhecem,
sempre burlesco arlequim
por fora
e massacrado por dentro
e tristurado
no mais triste cavaleiro da figura da palavra.
Chegar sem preconceitos,
Cotidianos simulacros:
sonho menino.
Não mero esboço de um desenho inacabado de homem,
inadequado, por certo, na forma de chegar e falar
das coisas do mundo e de mim.
Mas chegar, achegar.
E saber que entre um tempo
e outro tempo,
o ser aflora.
Pode ser antes.
Pode ser agora.
Mesmo debaixo do sonho aninhado.
Ou dentro de um cesto
desfiado.
Deixai-me participar da mesa da verdade.
E aceitai dúvidas minhas e minha fragilidade
como dádiva dos deuses.