A Bússola e o Divã
Milton Luiz Cleve Kuster
															Há amizades que nascem sem aviso, como quem acende uma luz num corredor escuro. Outras, porém, são como o nascer do sol: vêm devagar, iluminando aos poucos o que antes parecia confuso. A de Miguel e Artur era assim — uma amizade que cresceu em silêncio, entre conversas interrompidas por cafés e silêncios cheios de significado.
Miguel sempre acreditou que aprender era um verbo que se conjugava com paciência. Psicólogo, passava os dias escutando histórias de gente que buscava entender o próprio mapa. Tinha no olhar a serenidade de quem conhece a distância entre o dizer e o sentir. Artur, ao contrário, era um navegante inquieto: jornalista, amante das palavras e das encruzilhadas, vivia tentando encontrar a bússola que o guiasse de volta para si mesmo.
Toda sexta-feira, encontravam-se no mesmo café, na esquina onde o tempo parecia mais lento. Ali, entre o som das xícaras e o cheiro de café torrado, compartilhavam suas descobertas.
O lugar, embora simples, era mais do que um ponto de encontro — era um divã sem almofadas, onde as confissões vinham vestidas de humor e ternura.
Certa tarde, Artur chegou com um papel amassado no bolso e um ar de quem havia encontrado algo importante.
— Escrevi — disse, pousando a caneta sobre a mesa.
Miguel levantou os olhos e sorriu:
— A caneta, enfim, falou?
Artur abriu o papel e leu, com voz baixa, quase tímida:
“Amizade é o berço onde o adulto repousa quando o mundo lhe tira o chão.”
Miguel ficou em silêncio por alguns instantes. Depois respondeu, com a doçura de quem entende que certas verdades não precisam de explicação:
— E é também a bússola que aponta pra dentro, quando a gente esquece pra onde ia.
Ficaram assim, quietos, olhando o vapor subir das xícaras. Lá fora, a chuva lavava o asfalto como quem limpa um pensamento antigo. Dentro, dois amigos aprendiam — mais uma vez — que aprender não é acumular saberes, mas se permitir sentir.
Quando a tarde começou a escurecer, Artur guardou o papel no bolso com cuidado. Miguel escreveu algo num guardanapo e deixou sobre a mesa:
“Algumas terapias acontecem fora do divã.”
Saíram juntos, falando pouco. O vento soprava frio, mas havia calor no gesto simples de caminhar lado a lado.
E assim, entre o rumor das ruas e o silêncio confortável da amizade, seguiram — dois viajantes guiados pela mesma bússola invisível que aponta sempre para o coração.
Milton Luiz Cleve Küster, está estudando na Escola de Criação Literária, mantida pela Academia de Letras de Balneário Camboriú, tendo a mentoria de seu presidente, o escritor e acadêmico Eudes Morais.