Lindolf Bell — o poeta que levou a poesia às ruas

Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, Lindolf Bell descobriu na palavra um destino. Filho de Theodor e Amália Bell, lavradores que cultivavam não apenas a terra, mas também a beleza dos versos, recebeu desde cedo a semente da poesia. Sua mãe, em reuniões familiares, costumava declamar poemas, enchendo o ar de ritmo e encantamento — e foi dessa voz materna que o menino herdou o amor pelas palavras.

Bell cresceu acreditando que a poesia não deveria ficar trancada em livros, mas respirar entre as pessoas, nas ruas e nas janelas do cotidiano. Dessa crença nasceu o movimento Catequese Poética, um convite à comunhão entre arte e vida. Pelas praças, viadutos, escolas e universidades, ele recitava e cantava versos, transformando o espaço público em palco e o público em partícipe da criação. Sua presença era uma celebração da palavra viva — e sua ousadia ecoou não apenas no Brasil, mas também além de suas fronteiras.

Ao lado da escultora Elke Hering, sua companheira de vida e de arte, fundou na década de 1970, em Blumenau, a Galeria Açu-Açu, a primeira de Santa Catarina. Ali, poesia e escultura se encontravam, unindo gesto e palavra, matéria e emoção.

Hoje, o nome de Lindolf Bell é o mais lembrado da poesia catarinense. Sua voz continua a atravessar o tempo, lembrando-nos de que a poesia não é apenas escrita — é vivida, dita, partilhada. Em cada recanto onde um verso se abre ao mundo, ainda se ouve o eco de sua catequese poética.

Obras

1962 – Os Póstumos e as Profecias. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1962.
 
1964 – Os Ciclos. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1964
 
1965 – Convocação. São Paulo: Brasil, 1965.
 
1966 – Curta Primavera. São Paulo: Brusco, 1966. A Tarefa. São Paulo: Papyrus, 1966.
 
1967 – Antologia Poética de Lindolf Bell. São Paulo: União, 1967.
 
1968 – Antologia da Catequese Poética. BELL, Lindolf. MATTOS, Luiz Carlos. JARDIM, Rubens. MÜLLER, Érico Max. SANTANA, Edson R. AGUIAR, Iosito e CARDOSO, Reni. Antologia da Catequese Poética. T. Paulista. São Paulo, 1968.
 
1971 – As Annamárias. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno, 1971. ( qualificada por Drummond como a mais importante obra lírico-amorosa em língua portuguesa dos últimos anos).
 
1974 – Incorporação. 1ª Edição. São Paulo: Quiron, 1974.
 
1980 – As Vivências Elementares. 1ª Edição. São Paulo: Massao Ohno/Roswitha Kempf, 1980.
 
1984 – O Código das Águas. 1ª Edição. São Paulo: Global, 1984. (melhor livro de poesia do ano – Associação Paulista dos Críticos de Artes).
 
1985 – Setenário. Florianópolis: Sanfona, 1985.
 
1987 – Texto e Imagem. Oficinas de Arte. Florianópolis, 1987.
 
1994 – Pré-textos para um fio de esperança. BADESC. Florianópolis, 1994.
 
1993 – Iconographia. Editora Paralelo: 1993.
 
1994 – Requiem. Oficinas de Arte. Florianópolis, 1994.

DA PALAVRA FINAL NADA SEI 

Lindolf Bell

Da palavra final
nada sei. Nunca me foi concedida.
Embora escravo,
embora rei.
Embora levantasse o dedo na hora dos apartes.
Embora levantasse o dedo timidamente do último banco da classe contraditória de viver.

Embora sôfrego, trôpego, embora sofrido levantasse o dedo,
meu Deus, que esquivo andar sem graça
quando atravesso a sala cheia de gente.
A sala de sentimentos ambíguos cheia de gente,
a sala dos correios secretos
que os olhos conhecem, reconhecem,

sempre burlesco arlequim
por fora
e massacrado por dentro
e tristurado
no mais triste cavaleiro da figura da palavra.

Chegar sem preconceitos,
Cotidianos simulacros:
                              sonho menino.
Não mero esboço de um desenho inacabado de homem,
inadequado, por certo, na forma de chegar e falar
das coisas do mundo e de mim.

Mas chegar, achegar.
E saber que entre um tempo
e outro tempo,
o ser aflora.
Pode ser antes.
Pode ser agora.
Mesmo debaixo do sonho aninhado.
Ou dentro de um cesto
                                        desfiado.

Deixai-me participar da mesa da verdade.
E aceitai dúvidas minhas e minha fragilidade
como dádiva dos deuses.

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