Emoções da Sétima Arte

Eudes Moraes

Quando me despertei para o mundo do cinema, os meninos da minha idade não perdiam as matinês aos domingos. Lembro-me que além do filme principal, era projetado um seriado. Ele era exibido em capítulos e sempre parava num momento de perigo, criando uma expectativa para o próximo final de semana. De uma coisa, a minha geração tinha certeza, o mocinho não morria.

Já adulto, tive dificuldades de aceitar quando o mocinho não vencia ou morria. Mocinho não pode morrer, afinal o mundo precisa de heróis. Ah, me lembro, que a gente saia do cinema se sentindo o próprio mocinho! Acertava os passos, estufava o peito e nada era obstáculo na vida. Essa emoção funcionava por um bom tempo, pelo menos até o próximo filme.

Mas sempre tem um mas para estragar as histórias.

Lembro-me de uma peça publicitária, em que aparecia uma fila enorme de pessoas ávidas para assistirem um filme de sucesso. De repente, surgiu um menino saltitando, com aquele jeitinho que as crianças fazem, trocando as pernas ao pular e o danadinho percorria a fila da bilheteria, gritando: — A mocinha morre no final, a mocinha morre no final! E no seu retorno, gritava: — Quem matou foi o marido, quem matou foi o marido. As pessoas olhavam com ar de indignação e um cara que acabara de comprar, olhou bem para o ingresso, com raiva e com dúvida, se entraria ou não para assistir ao filme. Pela expressão, a vontade das pessoas era esganar o inocente menino.

O mundo está cheio de estraga prazeres.

Não me preocupo aqui, se essa cena foi o primeiro “spoiler” de um filme ou se foi uma apologia ao feminicídio, o que me prende nesta crônica é outra situação que me deixou indignado. “Maratonei” uma minissérie, o thriller recebeu críticas positivas por sua produção impecável, fotografia deslumbrante, autenticidade histórica, atuações fortes e enredo bem construído. A história foi envolvente, bem amarrada, com começo, meio e fim.

Um filme ou série, prendem a nossa atenção, desde que os primeiros episódios despertem a vontade de assistir mais, na medida em que na trama os personagens sejam cativantes e a narrativa se desenvolva com momentos de grande emoção. E, foi por isso, que eu assisti um capítulo em seguida do outro e avançava nas temporadas.

Acontece, que no processo da identificação com os personagens, nas quatro histórias que corriam paralelas,  eu torcia por um mocinho principal e três secundários. Construí na imaginação, os finais que eu queria que acontecesse. É bem assim que funciona com todo mundo, né! E a gente sempre torce para que no final, as pessoas fiquem juntas e sejam felizes para sempre.

Como afirmei no começo, fui treinado para torcer pelo sucesso do mocinho. Mas na minissérie, um dos meus mocinhos não resistiu à pressão e a quantidade de dinheiro fê-lo ceder e entregar o forte que havia construído e que dizia ser o sentido de sua vida. Coisíssima nenhuma! O dinheiro é sempre a pedra de toque que mede o caráter dos homens e eles vendem até a alma. Vamos aos demais mocinhos? Um deles, após o ataque brutal na caravana que atravessava o Oeste selvagem, teve a sua amada esposa sequestrada e ele ficara gravemente ferido. Como o casal estava recém-casado, que final você construiria?

O mocinho principal, aliás, o mais destemido e valente de todos, era de pouca conversa e muita ação. Ele aceitou a oferta para atravessar regiões selvagens e guiar uma jovem e bonita senhora  até onde estava o seu marido, que a havia abandonada com seu filho. Juntos, eles enfrentaram neve e emboscadas. Na medida em que a trama foi se desenvolvendo a mulher que o contratou, de tanto ser protegida e salva por ele, aos poucos, foi substituindo o marido por esse novo personagem. Com bravura, ele protegeu o filho dela. Os olhares ficaram interessantes! Ela foi dando sinais de paixão. Que final você desejaria para eles? Ah, o marido nunca apareceu nas filmagens! O mocinho não era bonito, mas as mulheres, diferentemente dos homens, não estão nem aí com a aparência masculina, elas se apaixonam pela atenção, cuidado, segurança e proteção. Estou errado? 

Bem, vamos para o final!

Sobre o casal recém-casado, num ataque à aldeia indígena, onde ela estava refugiada, sob a proteção de um líder guerreiro; na ânsia de reencontrar a sua amada, o jovem marido, aceitou atacar a tribo para resgatar a esposa. No meio da batalha, ele atirou numa índia toda pintada e a matou. Ao perceber que tinha matado a sua mulher, ele se matou. Cáspite!

Bem, restou aquela esposa que estava enamorada pelo mocinho principal. Sim, se você respondeu que torceria para eles ficarem juntos, foi o que fiz. Mas para quem não estava acostumado com morte de mocinhos, até o guerreiro indígena morreu. Que teste para os meus tempos de menino!

Mas como a esperança é a última que morre, fui até o final da minissérie, pois, a mãe do menino confessou seus sentimentos de amor pelo mocinho principal. Os olhos dele também brilhavam, mas pesou a sua realidade sobre o mundo desconhecido e ele foi embora para que ela seguisse o seu destino. Chato, né!

Não, não se precipite. Ele ouviu tiros e retornou para salvá-la. (Ah, os meninos da minha época, batiam os pés e palmas, quando aparecia a cavalaria para salvar o mocinho). O herói dessa minissérie, subiu no seu belo cavalo, empunhou suas armas e matou os assaltantes. Mas foi baleado e morreu.

Como devo concluir esta crônica? Sinceramente, no tempo em que eu era menino e não perdia as matinês, era bem melhor! Filme é um entretenimento. Caramba, para quê matar nossos heróis, que quase não existem? Ou então, um final em que a gente fica sem saber se o mocinho morreu ou sobreviveu, fará a gente sair pensativo do cinema. Seja como for, um dos momentos mágicos que a Sétima Arte enseja é exatamente essa: a troca de ideias no final de cada filme e como eles acabam, pode ser “como uma caixa de bombons sem rótulo, às vezes, você não sabe o que vai pegar”. (do filme Forrest Gump).

Eudes Moraes é romancista, contista, cronista e poeta.

plugins premium WordPress